Os Abismos, da escritora colombiana Pilar Quintana, foi vencedor do Prêmio Alfaguara 2021, e que veio na caixa de número 42 do Clube Intrínsecos, chegando ao Brasil na esteira do sucesso A Cachorra (2020), onde a autora aborda os mecanismos emocionais e sociais da maternidade.
Cláudia é uma garotinha de 8 anos, que mora na cidade colombiana de Cali, e que vai narrar as agruras de suas relações familiares, durante a década de 1980. Pai, mãe e filha vivem em um apartamento cheio de plantas, uma selva urbana que ambientará as relações afetivas, muitas vezes frustrantes e cheia de crises.
A família
O pai é um homem pragmático, taciturno, 21 anos mais velho, que vive para trabalhar no supermercado da família. A mãe, também Cláudia, vem de uma relação difícil com sua própria mãe, desiludida, e que passa os seus dias acompanhando revistas de celebridades – acima de tudo, acompanhando a vida de mulheres que morreram cedo demais.
Até que a tia de Cláudia se casa com um homem mais jovem, um vendedor musculoso e sensual, que passa a trocar olhares com Cláudia mãe…
E assim, passando alguns momentos na escola, em algumas viagens, sempre perto da mãe, a jovem Cláudia percebe os abismos que a cercam, e busca compreender as ações dos pais, procurando um amadurecimento que vem da percepção do que acontece ao seu redor.

Os Abismos de Cláudia
Os Abismos que a pequena Cláudia precisa transpor são desafiadores… apesar de fluido – eu li em apenas um dia, o sentimento de angústia, a solidão da menina, as fragilidades da mãe, a inadequação do pai, são tão palpáveis que incomodam. Com certeza, cumprindo a intenção da autora.
As discussões são múltiplas, mas a maternidade é um tema recorrente, tanto nas relações paternas quanto maternas. A avó paterna faleceu no parto, e os dois filhos foram criados longe do pai.
A avó materna se ressentia da gravidez, e a apatia em relação à filha acabou respingando na relação com a geração seguinte. São mulheres que não optaram pela maternidade, e que carregam o fardo dessa inadequação.

E a pequena Cláudia vai permeando esses sentimentos, ainda que não tenha conhecimento nem experiência para assimilar tudo que acontece ao seu redor. A depressão da mãe fica latente, em sua ociosidade buscando especular sobre a morte de celebridades como a princesa Grace Kelly, Natalie Wood e Karen Carpenter.
Todos esses problemas acabam interrompendo a infância de Cláudia. Acompanhamos como ela amadurece, como a visão ingênua sobre os fatos vai sendo reformulada, como suas brincadeiras atingem um ápice perigoso, e como não é possível esconder as coisas das crianças – elas geralmente são muito perceptivas.
“Os mortos de meu pai, comecei a pensar, viviam em seus silêncios, como afogados num mar em calmaria.”

Os temas abordados
Os abismos trata de temas que podem e devem fazer parte das conversas na família, como morte, solidão, depressão e saúde mental. E ainda usa, com brilhantismo, do próprio clima para retratar os sentimentos dos personagens: na casa de campo, por exemplo, a neblina envolve e assombra, a chuva se lança sobre as montanhas, os espíritos de Viruñas arranham os telhados à noite e um fantasma vagueia pela casa – além de lidar com tudo isso, a menina ainda tem de cuidar da mãe para que seu destino não seja o mesmo das celebridades que ela tanto acompanha.
Nas páginas finais, Cláudia já consegue processar os eventos ao seu redor, diminuindo em intensidade, permitindo que a relação com seus pais, e acima de tudo com sua mãe, melhorem consideravelmente. Ou, apenas iniciem um novo ciclo…
“Eu caminhei por aqui, primeiro com hesitação e depois com determinação. Queria olhar para o abismo de novo, senti-lo delicioso no estômago, e o medo, a vontade de pular.”

Minha opnião
Ainda que Os Abismos não tenha sido um livro favoritado, as reflexões sobre maternidade, o papel da mulher na sociedade, doenças mentais são pontos altos. Na entrevista que acompanha a edição do Clube, a autora Pilar Quintana conta: “(…) comecei a perceber que a ideia de maternidade não é fixa, é múltipla”. A maternidade é mesmo o destino de toda mulher?
Por tudo isso, é uma leitura que machuca, que confronta, que nos faz refletir sobre quem queremos ser e o papel que a sociedade impõe às mulheres. Um silêncio incômodo que não deve mais ser colocado entre as plantas da sala, alertando que os medos importam, que precisamos estar atentos para estender a mão ou para pedir ajuda.
brenda
Oi Maisa
Ainda não tinha visto esse livro! Excelente resenha.
Comprei A Cachorra recentemente e estou curiosa para conhecer a escrita da autora.
Beijos
http://brenshelf.blogspot.com
Thais
Já ouvir falar muito bem sobre esse livro.. mas ainda estou com foco em outras leituras.